Falar da história do Range Rover implica explicar o contexto em que o seu projecto foi desenvolvido. Aliás, é necessário regressar à introdução no mercado do Land Rover, em 1948.
A II Guerra Mundial tinha deixado a Rover com uma fábrica enorme (alvo de diversas expansões para poder responder às necessidades de armamento nos tempos de guerra), mas o número de carros que a marca vendia não justificava o imenso espaço que tinha disponível para a sua produção.
O chefe dos designers, Maurice Wilks e o seu irmão, Spencer Wilks (Director Geral da Rover) tiveram a ideia de lançar um carro de quatro rodas motrizes que tinha como objectivo principal o mercado militar e o mercado agrícola. O Land Rover foi inspirado no Jeep Willys e imediatamente tornou-se um sucesso à escala mundial, devido às suas capacidades todo-o-terreno e pela simplicidade na sua concepção (paineis soldados a um chassis separado).
Este carro fez aumentar a produção em Solihull e foi também um dos grandes responsáveis por ajudar a Inglaterra a recuperar da guerra, pois representava grande parte das exportações daquele país.
Mas havia um problema que preocupava os irmãos Wilks. Como a economia recuperava, era expectável que as vendas baixassem e a única forma de contrariar esta tendência era tornar o Land Rover mais agradável e habitável para o seu condutor e passageiros. Este conceito levou ao lançamento do primeiro "station wagon" no final de 1948. Com algum equipamento extra e interiores menos espartanos, a "80-inch Station Wagon" tinha um preço mais alto e isso reflectiu-se nas vendas. Não foram produzidas mais que 641 unidades, e o modelo foi retirado do mercado em 1951.
Mas os irmãos não desistiram do conceito e a ideia de um carro todo-o-terreno mais civilizado continou a ser estudada com o Road Rover de 1951. Este carro era bastante diferente da "station wagon" anterior e as capacidades todo-o-terreno foram relevadas para segundo plano, em comparação com a durabilidade, praticalidade e condução em estrada que eram esperadas deste modelo.
Em vez do chassis do Land Rover, este modelo usou uma versão mais curta da plataforma utilizado no Rover P4, mantendo a transmissão traseira deste.
Infelizmente, o modelo foi sendo colocado de parte, por diversas razões; as preocupações dos irmãos Wilks acabaram por não se concretizar, pois o Land Rover continuava a vender muito bem e por outro lado, o modelo P4 ocupava a maior parte dos recursos de Investigação e Desenvolvimento da altura.
Em 1956, o projecto foi retomado, mas devido ao sucesso do P4, foi decido alinhar este modelo com as berlinas existentes na altura, em vez do o associar à Land Rover.
Assim, o novo "Road Rover" perdeu o ar utilitário e foi lançado com um design suave e sofisticado que o aproximava ao novo P5, prestes a ser lançado. Tecnicamente, a distância entre eixos foi aumentada para 98", a suspensão frontal era independente e os travões dianteiros eram de discos.
Foram construídos vários protótipos e o modelo esteve muito próximo da produção em massa, chegando até a ser preparado para isso em 1960-61. O que nunca veio a acontecer. As previsões de vendas não eram optimistas, mas este não deve ter sido o factor mais relevante para a decadência do modelo. A sua complexidade, uma nova linha de modelos Rover e o facto do Land Rover continuar a vender tão bem, foram concerteza factores determinantes da sorte deste modelo. Esta atitude demonstrou que a Rover seria incapaz de lançar um modelo utilitário, sem ter a certeza de que este não afectaria a sua reputação.
Em 1964, e com o sucesso do seu modelo P6, a Rover virou-se para o mercado americano com a intenção de produzir um modelo para aumentar a penetração da marca naquela zona. A conclusão foi de que, graças ao sucesso dos recém introduzido Ford Bronco e Jeep Wagoneer, havia um potencial de crescimento muito grande.
Nesta fase, Spen King juntou-se a Gordon Bashford (mentor do projecto Road Rover) e dedicaram-se a criar um modelo para competir no mercado americano.
Ao contrário de decisões anteriores, a Direcção da Rover tinha ideias bem definidas acerca do modelo a desenvolver: deveria ter tracção às quatro rodas, oferencendo uma boa relação entre utilização em estrada e fora desta, coisa que o Land Rover não fazia, pois era visto apenas como um modelo de trabalho.
Logo à partida, Spen King achou que a solução para oferecer um bom desempenho fora de estrada estava numa suspensão com um curso mais longo. Esta solução ajudaria a absorver as irregularidades das estradas, e mais importante, em todo o terreno, garantia que as rodas estariam mais tempo em contacto com o chão.
No que dizia respeito ao motor, não havia dúvidas: o motor V8 tinha sido comprado recentemente à Buick por William Martin-Hurst e provou ser o motor ideal para o novo modelo. Graças à sua concepção em alumínio, este motor pesava menos 90 kg que a segunda opção considerada.
Em 1966, e apesar de o projecto estar na sua infância, parecia tão promisor que Peter Wilks deu autorização para a continuação do desenvolvimento.
Gordon Bashford delineou os pontos essenciais do projecto nos meses seguintes: um chassis com secções em forma de caixa, suspensão de longo curso, molas helicoidais e o motor V8.
Ao contrário do Land Rover original, este projecto teria tracção às 4 rodas permanente de forma a garantir que o imenso binário do motor V8 fosse igualmente distribuído pelos dois eixos. A distância entre estes era de 99.9 polegadas, que foi arredondado no novo nome do carro - numa alusão ao projecto anterior, este passou a ser conhecido como a "station wagon" de 100 polegadas.
A carroçaria foi desenhada para ser simples de fabricar, sendo composta por painéis de alumínio simples, soldados a um esqueleto em aço. Durante o ano de 1966 este conceito foi sendo desenvolvido e, em Janeiro de 1967, a primeira versão em tamanho real estava construída. Este protótipo formou a base de um eventual design para o carro, e apesar de ter sido concebida quase inteiramente por Spen King e Gordon Bashford, apenas para cobrir a parte mecânica, estes tiveram a ajuda do departamento de estilo da Rover para que o resultado final tivesse dimensões proporcionais.
1966 marcou o ano em que a Rover Company foi adquirida pela Leyland Motor Company, mas foi apenas no início de 1967 que a equipa de Donald Stokes (presidente da Leyland Motor Company) analisou o modelo.
Logo no primeiro contacto com o projecto, tanto Donald Stokes, como John Barber (director da Leyland Motor Company) ficaram muito contentes com o "100-inch" Station Wagon (e com o projecto P8, então em desenvolvimento) e deram a luz verde para a continuação do projecto. A partir deste momento, o futuro do carro estava determinado, e enquanto o departamento de engenharia de Peter Wilks lidava com as especificações mecânicas, foi David Bache (designer da Rover) quem ficou encarregue da tarefa de dar mais estilo ao design de King/Bashford.
Em Setembro de 1957, ficou construído o primeiro protótipo em tamanho real e a funcionar, mas como era baseado no design original de King/Bashford, parecia extremamente espartano. No entanto, provou ser muito capaz durante os testes. O conceito era bom - e toda a equipa da Rover sabia, por esta altura, que tinham um carro vencedor. Entretanto, David Bache trabalhava no estilo do projecto, mas como é possível observar nas fotos com as soluções estudadas, pouco foi alterado, e do que efectivamente o foi, nada era fundamental.
No início de 1968, o "restyling" de David Bache estava terminado e aprovado para produção. Foram efectuados diversos testes por todo o mundo, com protótipos e na maior parte das vezes, as viaturas não utilizaram disfarces. A única coisa que disfarçava as suas origens eram os símbolos que ostentava: VELAR.
(Esta designação já havia sido utilizada no modelo P6 BS. Foi pedido a Mike Dunn para criar um nome utilizando as letras de Alvis e Rover. Utilizando como inspiração a palavra espanhola "velar" e a palavra italiana "velare", que significam "manter secreto" ou "esconder", Mike criou a designação VELAR. Na altura de registar os protótipos, foram registados sob este nome para manter a imprensa afastada).
Os testes correram bem, mas não tão bem que conseguissem cumprir o prazo estipulado pela British Leyland, Abril de 1970. Mesmo assim, saíu-se extremamente bem, tanto em testes todo-o-terreno mas também em testes com potenciais clientes.
Finalmente, a 17 de Junho de 1970, o Range Rover foi apresentado à imprensa. Todas as opiniões foram favoráveis e o resultado foi a criação imediata de listas de espera para os clientes assim que o modelo foi colocado à venda. A situação era simples: o Range Rover foi lançado com um preço de £1998 (2483 euros, actualmente), e na altura, nenhum modelo existente oferecia concorrência à agilidade que este possuía. Não só era tinha excelentes performances fora de estrada, como era extremamente confortável e (como a Rover iria descobrir rapidamente), tornou-se um símbolo de "status".
Os clientes gostaram da posição de condução alta, e apesar de isto não ser novidade para os agricultores e condutores de veículos comerciais, para os compradores dos carros de luxo da altura, esta foi uma experiência completamente nova.
Muito em breve, a Rover aperceber-se-ia que as pessoas compravam o Range Rover por muito mais do que as suas capacidades fora de estrada.
Em 1971, o Range Rover ficou em segundo lugar na competição "Carro do Ano" da revista CAR (em primeiro lugar, ficou o Citroen GS).
A British Leyland sabia que tinha um carro vencedor e, rapidamente, o seu preço subiu a taxas superiores à inflação. No entanto, a procura não baixava, e durante os primeiros 10 anos não foram feitas quaisquer modificações no design do carro.
Em 1975 continuava a não ter qualquer concorrência, como foi descrito pela revista Motor; "Como dissemos no início, o Range Rover é único, não só por causa do conceito, mas também pela sua mistura de compromissos - faz tantas coisas, tão bem. Não é perfeito, mas são muito poucos os carros que podem sequer pensar em competir com ele."
No entanto, o sucesso do Range Rover fez com que a British Leyland descurasse o seu desenvolvimento ao longo dos anos. Felizmente, os clientes continuavam a comprá-lo por ser um carro tão único.
Em 1979 as coisas começaram a mudar pela mão de Michael Edwards (presidente da British Leyland). Finalmente a marca Land Rover foi separada do grupo Austin-Morris e Jaguar-Rover-Triumph passando a ser designada por "Land Rover Limited", uma empresa separada e autónoma. Esta mudança marcou o início de grandes investimentos na empresa.
Como resultado disto, em 1980 vieram os primeiros sinais de mudança. Em 1980 surge a versão "Monteverdi" de 5 portas, resultado das cooperações efectuadas com especialistas exteriores à marca. A "Monteverdi" foi a responsável pela conversão de 3 para 5 portas. Muito por culpa do seu preço elevado, as vendas desta versão foram muito baixas. Mas as reacções positivas fizeram a marca pensar em lançar uma versão própria. (A marca já havia produzido um protótipo de 4 portas em 1972, mas infelizmente, não havia recursos para levar esta versão para produção).
A outra inovação a ser introduzida no modelo aparece no fim de 1980. Desde o início do projecto da "100-inch Station Wagon", foi considerada a utilização de uma caixa de velocidades automática. Por problemas financeiros ou prioridades da empresa, esta nunca foi utilizada. Graças à recente cooperação com empresas externas, a Land Rover pôde testar a reacção do mercado a este tipo de solução. A Schuler (empresa hoje conhecida como Overfinch) preparou os Range Rover para incluírem uma caixa de transferências e travões com ABS. Assim que ficou claro que o mercado aceitaria uma caixa de velocidades automática, a Land Rover acelerou o seu próprio desenvolvimento, utilizando como base uam transmissão Chrysler Torqueflite.
Finalmente, a terceira inovação da altura foi o versão "In Vogue", desenvolvida com a ajuda da Wood and Pickett (uma empresa especializada em criar versões de luxo do Mini). A ideia era clássica: melhorar o interior e oferecer uma linha de cores especiais para os diferenciar dos restantes modelos. O nome surgiu de uma estratégia de marketing que incluia emprestar alguns modelos à revista Vogue para que fossem utilizados como pano de fundo de uma das suas muito publicitadas sessões de fotografia.
Apesar das vendas baixas das versões especiais de 5 portas e de caixa automática, estas passaram a versões de produção em série e apareceram no mercado em 1981 e 1982, respectivamente, marcando uma nova fase da história do Range Rover.
Alguma contenção de custos e a escolha cuidada de parceiros externos fez baixar consideravelmente o custo da conversão da versão de 5 portas, relativamente ao que custava inicialmente. Como a estética não foi prejudicada pela introdução das portas traseiras e pelo facto de ser mais prática que a versão de 3 portas, não demorou muito até que esta versão vendesse mais que a versão original.
Depois vieram as trasmissões melhoradas, a caixa da 4 velocidades foi substituída pela LT577 de 5 velocidades, o que melhorou o comportamento em estrada e o consumo. A caixa automática aparece em 1982. Apareceram mais versões "In Vogue" cujo sucesso (e preço superior) foi tal que, em 1984 passaram a ser versões de produção, designadas por "Vogue"
Durante o resto dos anos 80, o Range Rover continuou a ser melhorado. Após 15 anos de comercialização, as vendas continuavam boas e a introdução do motor 3.9 e do novo tablier em 1989 asseguraram o futuro. Em 1992, 2 anos antes da substituição anunciada, aparece a primeira versão LWB (Long Wheel Base), que viu a sua distância entre eixos aumentar para 108 polegadas. O aumento foi feito apenas na zona das portas traseiras, e, para alguns, deu um aspecto mais equilibrado ao modelo.
Este modelo mais longo, designado por LSE, beneficiou também da introdução da novíssima suspensão pneumática conhecida como ECAS (Electronic Controlled Air Suspension). Este sistema prescindia das molas helicoidais e permitia uma condução com altura variável, o que tinha grandes vantagens, especialmente na condução a altas velocidades, onde a suspensão baixava, aumentando a estabilidade da viatura. Sair e entrar no carro também ficou mais fácil pois a suspensão baixava automaticamente para a sua posição mais baixa quando estava parado.
Mesmo após a introdução no mercado do seu substituto (o Range Rover P38A, em Setembro de 1994), o modelo, agora designado por "Classic" continuou a vender bem, pois era um carro bem testado e que já tinha provado o seu valor. Além de que continuava a ter um design muito, muito bom. Chegou a ser chamado de "Rolls Royce" do todo-o-terreno, entre outros nomes. E a marca teve algumas dificuldades em substituí-lo. Apesar de ser um carro melhor, o P38A nunca teria o sucesso do seu antecessor, e a prová-lo, está o facto de só ter estado em produção durante 7 anos, ao contrário do seu antecessor, que foi produzido durante 25 anos.
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Tradução livre do texto da página http://www.aronline.co.uk/index.htm?rroverf.htm