Expedição Britânica Trans-Americana

A expedição começou no dia 3 de Dezembro de 1971 em Anchorage, no Alasca e terminou na ponta mais a sul da Terra do Fogo, na América do Sul, a 10 de Junho de 1972. Os dois Range Rover foram providenciados pela Rover Ltd Co e a equipa era constituída por homens do 17º/21º Lancers, Regimento de Cavalaria do Exército Britânico. A Expedição Britânica Trans-Americana foi liderada pelo Major John Blashford-Snell que tinha uma vasta experiência em expedições no Nilo Azul e no Mar Vermelho.

A acompanhá-lo, homens do Exército Britânico, do Governo do Panamá e da Colômbia, do Museu de História Natural, da Sociedade de Exploração Científica e diversos cientistas para estudar a fauna e flora.

A expedição foi financiada por diversas entidades inglesas e americanas. O óleo foi fornecido pela Duckhams. Guinchos manuais e o equipamento de recuperação foram oferecidos pela Tirfor e pela Mayflower. A roupa foi oferecida pela Marks & Spencer e a comida (cerca de 3 toneladas) foi providenciada pela Heinz.
 
A rota estendia-se ao longo dos quase 30.000 km da Autoestrada Pan-Americana, com 3 meses para atravessar uma zona de selva conhecida como Darien Gap. Conhecida como "El Tapon", esta zona de floresta tropical pantanosa tem uma extensão de quase 400km sendo praticamente impossível atravessá-la com qualquer veículo.
Nesta selva não existem estradas, pontes ou pistas contínuas, além das que os Índios conhecem e usam. Toda a área é constituída por selva, pântanos e rios, habitada por uma selecção de mamíferos, répteis e insectos.

Os Range Rover utilizados com as matrículas VXC 765K e VXC868K, eram basicamente veículos de produção com volante à esquerda que seriam exportados para a Suíça. Não foi efetuado qualquer trabalho de reforço. As únicas protecções extras eram os anéis de reboque "heavy duty", o mata-vacas produzido com dois pára-choques e uma protecção do depósito. O motor e a transmissão eram de origem, tendo apenas sido alterado para possibilitar a instalação de um snorkel. Alem disto, tinham um guincho mecânico Fairey, focos de halogéneo extra, luzes nos pilares frontais, duas baterias, amortecedores para climas frios, tubos hidráulicos, prato da embraiagem e pneus Firestone Super All-Traction 7,50x16 com abas removíveis para melhorar o acesso aos pneus.

No topo foi instalada uma grade de tejadilho com dois pneus extra e o vidro traseiro era aquecido, com escova e esguicho. No interior, foram adicionados um conta rotações e indicadores da pressão e temperatura do óleo e rádios para comunicação sem fios entre os Range Rover. Um dos veículos tinha um banco traseiro e um cofre para guardar passaportes e dinheiro.



Os dois Range Rover viajaram de avião desde a base aérea da Royal Air Force (RAF), em Lyneham até Anchorage, no Alasca, passando pela Gronelândia, no início de Dezembro de 1971.

Os Range Rover avançaram pela Autoestrada do Alasca desde Anchorage até Yokon, por Whitehorse e Dawson. A distância média por dia eram 800km em estradas com gelo e neve. A Expedição era patrocinada pela companhia de viagens Travelodge e em cada unidade da Travelodge em que dormiram, havia uma placa com "A Travelodge dá as boas vindas à Trans-Americana".

No Canadá, quase perderam um dos Range Rover quando colidiram com um camião bloqueado no alcatrão congelado. Não houve feridos, mas o Range Rover teve de ser reparado. Gavin Thompson e a sua equipa, no outro carro, teve de rebocar o Range Rover acidentado até Vancouver. Aqui, tiveram um atraso de uma semana, enquanto esperavam que as peças para reparação fossem enviadas de Inglaterra, para que o Range Rover pudesse ser reconstruído num concessionário local da Leyland.

A 23 de Dezembro, chegaram a São Francisco e no dia 24 estavam em Los Angeles. Na passagem pela América Latina, houve lugar a diversas conferências de imprensa. Na Nicarágua, houve uma demonstração do veículo ao General Somoza que prontamente encomendou Range Rovers para ele e para o irmão, então presidente da Nicarágua.

No dia 12 de Janeiro chegaram à Cidade do Panamá.
 
Nos dias seguintes, o resto da equipa chegou e foram feitos os preparativos finais. Nesse ano, a estação das chuvas tinha durado mais 5 semanas que o normal, deixando grandes áreas cheias de lama espessa, preta e pegajosa.

A 19 de Janeiro os Range Rover entraram na selva.



Havia uma equipa de reconhecimento que decidia qual a melhor rota. Depois vinha a equipa principal que limpava a selva e em seguida, 30 cavalos para os transportar. Finalmente vinham os dois Range Rover que, na selva, eram conduzidos por Gavin Thompson. O primeiro Range Rover era "guiado" por Bob Russel, dos Royal Engineers que andou à frente das viaturas durante toda a passagem, orientando-os no melhor caminho a seguir e até a atravessar rios. O Sargento Michael Cross fez o mesmo trabalho à frente do segundo Range Rover.

A acompanhar cada um dos veículos, estava também uma equipa de 8 Royal Engineers que eram responsáveis por cavar, colocar escadas, abater árvores, usar os guinchos, etc, de forma a fazer avançar os Range Rover pela selva.  

A velocidade da Expedição era lenta, e em alguns dias avançavam pouco mais que 1km, se tivessem sorte. Os engenheiros estavam equipados com machados e motoserras, mas em todo o lado havia obstáculos severos, tais como árvores gigantes ou raízes.
 
A Expedição levava escadas de alumínio sólido que aguentavam com o peso dos Range Rover totalmente carregados, mas que pesavam apenas 45kg cada. Estas escadas foram importantíssimas para atravessar diversos obstáculos como ravinas, valas, encostas, árvores, etc. Foram também utilizadas como plataformas para os botes insufláveis da Avon, para atravessar rio e outros obstáculos de água. As botes eram impulsionados por motores fora de borda de 20cv ou pelos guinchos mecânicos das viaturas.

Numa ocasião, o primeiro Range Rover tinha atravessado um pequeno rio durante a tarde. O segundo iria efetuar a mesma passagem na manhã seguinte. Entretanto, durante a noite, houve uma chuvada curta, mas de tal forma intensa que o rio começou a correr com muito mais força. Foi decidido não utilizar os botes devido à força da corrente. Gavin Thompson estava quase no outro lado do rio quando a força da água arrastou o Range Rover.

A água passava acima do capot e o motor foi prontamente desligado. Agora, o Range Rover era como uma barragem e, rapidamente, a água ficou acima da altura do tecto. Depois de várias tentativas, a equipa conseguiu prender um guincho manual Tirfor ao Range Rover e aos poucos foi retirando o carro para fora do rio. Durante o processo de secagem posterior, foi necessário bombear a água dos cilindros e todos os óleos foram mudados várias vezes. O Range Rover foi ligado e continuou a viagem.  

A expedição tinha contacto rádio com duas bases fora da Darien Gap. O Corpo Aéreo do Exército tinha um avião Beaver para abastecer a equipa com gasolina, correio e materiais necessários na selva. Os produtos eram lançados recorrendo a paraquedas lançados do avião, em zonas da selva sinalizadas com sinais de fumo, foguetes ou balões. O consumo de combustível era de aproximadamente 400 metros por litro e a distância média diária percorrida na Darien Gap era de apenas 3,2 km por dia.

Os diferenciais traseiros dos Range Rover sofreram de um desgaste extremo devido às cargas muito elevadas, aos quase 45 graus de inclinação de algumas encostas e também devido ao impacto dos pneus específicos para pântanos. Grande parte do equipamento pesado (escadas, botes, etc) estava na grade de tejadilho, junto aos pneus, provocando mais pressão sobre o diferencial traseiro.

O diferencial traseiro podia ser bloqueado, mas com a perda de aderência numa das rodas, esta rodava muito rápido até obter novamente a aderência, o que resultava numa carga e desgaste ainda maiores no diferencial traseiro. Os pneus para pântanos foram usados desde o início, mas em lama muito funda, esta escolha revelou-se um grande erro, já que grande massas de lama ficavam agarradas às rodas provocando um impacto ainda maior nos eixos e diferenciais.


Depois de 50km na selva húmida, um dos diferenciais traseiros partiu-se e com toda a força do motor a ser dirigida para o diferencial dianteiro, este também partiu. Além disso, verificou-se que foi utilizado um óleo errado nos eixos, o que provocou um desgaste ainda mais acentuado devido a temperaturas excessivas com as consequentes avarias. Com um Range Rover totalmente avariado, tentaram rebocá-lo com o outro, conseguindo apenas que este também avariasse com um diferencial partido.   

Com os Range Rover avariados, foi necessário evacuar Gavin Thompson para que este entrasse em contacto com o especialista em transmissões da Land Rover Ltd, Geoff Miller, para explicar como é que os diferenciais partiram nos Range Rover da expedição. Em Solihull, a equipa das transmissões construiu um Range Rover com os mesmos pneus e peso que os da expedição e testou-o até à exaustão numa pista em Solihull que simulava as mesmas condições da Garien Gap até ao diferencial partir.

A conclusão foi de que o peso era excessivo para o diferencial, especialmente quando as rodas entravam em elevadas rotações na lama. Novos diferenciais foram enviados e o próprio Geoff Miller deslocou-se ao Panamá. Os eixos partidos também foram substituídos, e o peso total por carro foi reduzido e redistribuído. Os pneus de pântano foram substituídos por pneus de lama normais e até ao final da expedição não se registaram mais problemas com os diferenciais.

No entanto, estes problemas custaram 26 dias ao plano da expedição.

Entretanto, a expedição adquiriu um Land Rover Series II em segunda mão, no Panamá e foi utilizado como veículo de reconhecimento de pistas dentro da selva. Os Range Rover estavam de volta ao estado normal e, com sessões diárias mais longas, conseguiram avançar, apesar de terem pela frente terrenos ainda piores.



Novos problemas viriam a atingir a expedição quando forçaram a passagem na Devil's Switchback, com um terreno muito acidentado e com subidas e descidas muito inclinadas enquanto avançavam nas zonas altas de Pucuru e Palo de Las Letras, na fronteira entre o Panamá e a Colômbia. O Land Rover caiu numa ravina e duas das escadas de alumínio partiram-se. Estes contratempos custaram mais 10 dias de atraso à expedição.


A 9 de Abril, quando atingiram a fronteira da Colômbia, a expedição encontrou os restos dos Chevrolet Corvairs da expedição Americana de 1962. O objectivo desta expedição sob o logo da Chevrolet, entitulada de "Daring the Darien", era levar 3 Corvairs até à fronteira da América do Sul. Na fronteira existe uma pedra que marca o início da América do Sul.



O Pântano e o Rio Atrato eram o último grande obstáculo da Darien Gap que a equipa tinha de transpôr, com cerca de 95 km de extensão. Toda a área é tão grande como Gales. Esta parte foi transposta recorrendo sobretudo aos botes. O lago do pântano Atrato estava cheio de ervas que nem os machados conseguiam cortar. Foi necessário recorrer às motoserras e até dinamite para abrir caminho pelas ervas.



A 23 de Abril, a expedição chegou à margem do rio que não era bem terra firme, mas antes uma espécie de ilhas esponjosas de vegetação flutuante, perto de Barranquillita. O terreno mal conseguia suportar o peso dos Range Rover. Era aí que começava o trecho seguinte da Autoestrada Pan-Americana, depois de 96 dias inesquecíveis e de 400 km na selva da Darien Gap. O Exército Inglês e três veículos Land Rover tinham conquistado o "El Tapon"

Em estradas duras e sujas, a expedição rumou a Medellin. No concessionário British Leyland em Bogotá, os Range Rover foram alvo de muito necessitada manutenção.

A 13 de Maio, a expedição arrancou rumo a sul. O resto da equipa já havia regressado a casa, no Reino Unido, depois de uma expedição bem sucedida. Comparadas com os obstáculos severos da Darien Gap, as estradas até à Terra do Fogo não apresentavam grandes problemas.

Em Quito, no Ecuador e Lima, no Peru, novas paragens foram necessárias para a manutenção geral dos carros. Em Santiago do Chile, houve lugar a uma nova conferência de imprensa antes de avançarem mais para sul, rumo a Osorno. Nas estradas rápidas e desertas do Chile, a expedição conseguia manter velocidades de 145-160 km/h, cobrindo cerca de 800 km por dia. Em quatro dias no Chile, percorreram cerca de 3800 km! Muito rápido, tendo em conta que na selva, a média diária não ultrapassava os 3 km.
 
A expedição tinha começado durante o Inverno no Alaska e estavam agora a entrar novamente no Inverno. Na Patagónia, a neve bloqueou a estrada planeada e a expedição teve de se desviar por outras estradas em mau estado.

O objetivo da expedição foi atingido no dia 10 de Junho, quando chegaram ao Cabo Horn, em Ushuaia.

A missão da Expedição Britânica Trans-Americana terminava com sucesso!

Veja estas e outras fotos na galeria.

(fotos e texto: http://www.range-rover-classic.com/Home/range-rover-darien-gap)